Imagine que está ao volante de uma carrinha cujos passageiros são as pessoas mais significativas para si. De repente apercebe-se de que à sua frente se abre uma ravina.
O que faria?
Instintivamente giraria o volante ou tentaria curvar. Faria o possível e o impossível para evitar a queda.
Imagine agora que está ao volante da mesma carrinha, mas esta avança muito, muito lentamente. A velocidade é tão reduzida que parece praticamente nula. Os seus olhos só avistam terra firme. Certo que ouviu vários avisos de que mais à frente encontrará mais solavancos e buracos maiores. Aliás de vez em quando sente um pequeno solavanco. Mas sabe que o seu veículo é um todo-o-terreno sólido, em excelentes condições.
O que faria agora?
A sua reação natural seria continuar em frente ou, se atender aos avisos, alterar ligeiramente o seu rumo. Nada de visceral lhe sinaliza que haja perigos e muito menos iminentes. Confia nas suas capacidades de condução e tem total segurança de que travará se e apenas quando for necessário. Por enquanto, não se apercebe de que já está muito próximo de um ponto em que a carrinha começará a descair e onde perderá o controlo da mesma.
As décadas desde a 2ª Guerra Mundial foram de um progresso e de uma melhoria inegáveis do nível de vida para uma fração cada vez maior da população humana. Mas esse progresso está a ser feito à custa da atmosfera, das outras espécies que habitam a Terra e de diversos recursos naturais (como a água doce) de que dependemos mas que não valorizamos. Mas como esses impactos são pouco visíveis e a maior parte ocorrem longe de nós, não os consideramos significativos.
Continuamos em frente pelo mesmo caminho, como se este fosse o único possível e não tivesse fim. Business as Usual.
Vejamos onde nos encontramos. O problema mais sério e urgente é estarmos a mudar a composição da atmosfera. A principais forças motriz da nossa sociedade são o petróleo, o gás natural, o carvão, os chamados combustíveis fósseis. Sempre que os utilizamos emitimos para a atmosfera dióxido de carbono. A concentração de CO2 na atmosfera vai lentamente aumentando, reforçando o efeito estufa. Estamos a poucas décadas de ultrapassar o tipping point de cerca de mais de 1,5º C de temperatura média global à superfície, o limite a partir do qual o planeta Terra começará a sofrer de impactos climáticos imprevisíveis e irreversíveis.
Outro problema é a chamada destruição da biodiversidade. Os seres humanos cada vez monopolizam mais para seu uso uma parte crescente da superfície terrestre. Atualmente já nos apoderámos de mais de 70% desta à custa dos restantes seres vivos. Estamos a causar a 6ª maior extinção em massa dos últimos 500 milhões de anos, e só nas últimas cinco décadas a população total de vertebrados selvagens (mamíferos, peixes, répteis, aves, batráquios) diminuiu em cerca de 68%.
Podemos inverter este caminho? Com a tecnologia atual e com os recursos financeiros disponíveis poderíamos fazê-lo.
Mas dirão os governos, nomeadamente os da União Europeia, que são conhecedores do problema e que já estão a tomar medidas. Está sempre a falar-se da sustentabilidade, economia verde e da transição energética.
O problema é que esse esforço ainda é muito reduzido face à urgência da situação e muito insuficiente para travar a dimensão dos danos que estamos a causar ao Planeta Terra.
Os cientistas sabem que a nossa carrinha coletiva já está muito próxima da ravina e que as consequências serão muito graves.
Podemos atacar o problema. Mas primeiro temos de coletivamente ter consciência da gravidade e da urgência dos perigos em que incorremos. Caso contrário não mobilizaremos os esforços, e seguiremos em frente…
António Telo e Patrícia Pereira
Comments